Série Mulher Cristã: O legado de Sarah Pierrepont Edwards
- 02/10/2024
“A alma habitava nas alturas, estava perdida em Deus e parecia quase sair do corpo. A mente desfrutava de um deleite puro que alimentava e satisfazia; tendo prazer sem o menor incômodo ou menor interrupção...” Uma jornada cristã alimentada pela presença de Deus. Neste artigo, vamos conhecer um pouco sobre a vida de Sarah Edwards, esposa de Jonathan Edwards, um renomado teólogo e avivalista do século 18.
Sarah Edwards não foi escritora nem pregadora, mas, ao dar total suporte ao esposo e à família, ela negou a si mesma. Isso só foi possível pela imensa graça de Deus, na qual Sarah mergulhou. Ela foi uma verdadeira missionária, exercendo o dom da hospitalidade, além de aconselhar e encorajar muitos jovens pastores que passaram um tempo em sua casa. Com resiliência e submissão a Deus, ela resistiu às tentações e aos desertos na jornada da vida cristã. Jonathan e Sarah Edwards viveram, no seio da família, a presença e a atmosfera da graça divina, testemunhando s manifestações do poder transcendental do Espírito Santo.
Assim, vemos que a vida cristã começa no lar. Tanto para homens quanto para as mulheres, o seu ministério começa no lar. E, em tudo o que fazemos – seja como esposa, seja em qualquer espaço na sociedade –, é pela graça de Deus.
Sarah Pierrepont Edwards era filha de pastor. Nascida em 9 de janeiro de 1710, viveu em um contexto desafiador para as pessoas que viviam nas colônias na América, devido às iminentes guerras e disputas territoriais. Sua família residia no presbitério de New Haven, Connecticut, onde seu pai, James Pierrepont, era pastor. Ele foi um homem proeminente na formação da igreja na Nova Inglaterra e um dos fundadores do Yale College. A mãe de Sarah, Mary Hooker, era bisnetade Thomas Hooker, um dos fundadores de Connecticut. Ele desempenhou um papel importante na redação das Ordens Fundamentais da Colônia, consideradas uma das primeiras constituições escritas na história.
Sarah recebeu uma educação de alto nível, proporcionada pela posição privilegiada de sua família naquela sociedade. Ela adquiriu habilidades refinadas e combinava beleza e inteligência. Sarah era agradável e sabia fazer as pessoas se sentirem bem. Diferente dela, seu futuro esposo, Jonathan Edwards, era introvertido, tímido e de poucas palavras. Ele iniciou seus estudos universitário aos treze anos e se formou como orador oficial da turma. Jonathan era alto, desajeitado e esquisito. Comia pouco e não tinha interesse em bebidas alcoólicas.
Em 1723, Jonathan retornou a Yale após exercer o ministério pastoral em Nova York por um ano. Ele tinha 20 anos e Sarah, 13, numa época que era comum as jovens se casarem com 16 anos. De acordo com seus biógrafos, Jonathan já nutria um forte sentimento por Sarah, mas manteve-o em segredo, o que o deixou um pouco distraído de seus estudos. À medida que Sarah crescia, Jonathan tornou-se mais gentil e cavalheiro, e eles começaram a passar mais tempo juntos. Gostavam de caminhar e conversar, e ele encontrou em Sarah uma mente que combinava com a sua beleza. Foi ela quem lhe apresentou o livro de Petrus van Mastricht (1630-1706), um teólogo holandês que escreveu sobre a soberania divina, predestinação e eleição. Em Explorando os Decretos de Deus, van Mastricht analisa a soberania divina e a perspectiva reformada sobre a reprovação, a fé, o pecado e a glória de Deus, oferecendo uma visão teológica calvinista que, mais tarde, influenciaria profundamente o pensamento de Jonathan Edwards.
Jonathan Edwards, uma mente brilhante e um coração avivalista. (Foto: Reprodução / Ligonier)
Jonathan Edwards enfrentou intensas lutas e incertezas tanto em seu pensamento quanto em sua teologia, a ponto de ficar fisicamente abatido. A espera por Sarah atingir a idade para se casar também o pressionava, pois temia pecar em pensamento. Em suas tentativas de manter-se puro, ele fez a seguinte resolução: “Quando sou violentamente atacado por alguma tentação ou não consigo me livrar de pensamentos impuros, decido fazer alguma operação aritmética ou de geometria, ou algum outro estudo, que necessariamente envolva toda a minha mente e a impeça de ficar vagueando”.
Na primavera de 1725, eles ficaram noivos. O casamento aconteceu em 28 de julho de 1727, quando Sarah tinha 17 anos e Jonathan 24. Ele usava uma peruca e uma nova veste clerical; ela, um vestido de cetim verde bordado. Jonathan havia se tornado pastor em Northampton, uma cidade discreta, cinco meses antes do casamento, que ocorreu em New Haven. A chegada de Sarah Edwards a Northampton foi um evento de grande destaque.
“Qualquer pessoa bonita que chegue a um vilarejo gera curiosidade. Contudo, quando tal pessoa é também a esposa do novo pastor, causa intenso interesse. A maneira como os bancos da igreja eram dispostos naquela época, davam destaque à família do pastor como uma bandeira tremulando…. Por isso, os olhos de cada pessoa da cidade estavam sobre Sarah, enquanto ela se movia em seu vestido de noiva.
O costume ditava que uma noiva, em seu primeiro domingo na igreja, vestisse seu vestido de noiva e caminhasse vagarosamente, para que todos pudessem observá-lo bem. As noivas também tinham o privilégio de escolherem o texto a ser pregado no primeiro domingo após o seu casamento. Não há registro a respeito do texto que Sarah escolheu, mas seu versículo favorito era: ‘Quem nos separará do amor de Cristo?’ (Rm 8.35). É possível que ela tenha escolhido este versículo como texto para a pregação.
Esposa de pastor
Ela tomou seu lugar no assento designado a simbolizar o seu papel – um banco alto de frente para a congregação, onde todos poderiam perceber o menor sinal de expressão. Sarah havia sido preparada para esta posição de evidência a cada domingo de sua infância, na comunidade de New Haven, mas era diferente de ser, ela mesma, a esposa do pastor. Outra mulher poderia bocejar ou mover furtivamente o pé, numa manhã fria de janeiro, dentro de uma igreja sem aquecimento. Ela nunca”.
Como esposa, Sarah conseguiu manter seu lar em harmonia, sabendo lidar com as lutas que seu marido enfrentava em seus pensamentos e estudos para a igreja. Ela o assegurava de seu amor e criou uma atmosfera e rotina que permitiam administrar a casa, cuidar da criação dos filhos e participar das reuniões da igreja. Sarah entendia que, quando Jonathan estava absorto em um pensamento, ele não queria ser interrompido para jantar, e compreendia que suas sensações de alegria e tristeza eram intensas. Não era fácil lidar com um homem assim. Edwards escreveu em seu diário: “Frequentemente tenho visões de minha pecaminosidade e perversidade, a ponto de me levar a um choro alto... que sempre me força a ficar só”. A cidade via um homem sereno, mas Sarah o conhecia na intimidade do lar. Ela sabia as tempestades que habitavam dentro dele.
Levantar cedo era um hábito de Jonathan, que dizia que o Senhor Jesus ressuscitou de madrugada para nos ensinar a acordar cedo. Toda a família seguia essa rotina, começando o dia com a leitura da Bíblia e rogando as bênçãos do Senhor para aquele dia. Jonathan também tinha o costume de fazer algum trabalho físico para se exercitar, como cortar lenha, consertar cercas e limpar o jardim. No entanto, era Sarah quem assumia a maior parte dos cuidados com a propriedade. Jonathan estudava treze horas por dia, incluindo a preparação dos sermões de domingo, o tempo de conversa com Sarah e o aconselhamento de membros da igreja. À noite, os dois andavam a cavalo na floresta para se exercitar, respirar ar puro e conversar. Após isso, oravam juntos novamente.
Como mãe, Sarah Edwards nos deixou um grande exemplo de amor, disciplina e moderação. Eles tiveram 11 filhos ao todo, sendo o primeiro nascido em 25 agosto de 1728. Com quase dois anos de intervalo entre cada um, vieram: Sarah, Jerusha, Esther, Mary, Lucy, Timothy, Suzannah, Eunice, Jonathan, Elizabeth e Pierpont. Esse foi o início do grande legado de Sarah Edwards como mãe.
Em 1900, um pesquisador realizou um trabalho sobre duas famílias nos Estados Unidos, e os descendentes de Jonathan e Sarah Edwards se destacaram grandemente por suas contribuições à sociedade. Winship, ao escrever sobre o clã dos Edwards, afirmou: “Tudo que a família fez foi de maneira competente e nobre… E muito da capacidade, do talento, da inteligência e do caráter dos mais de 1400 membros da família Edwards é devido à senhora Edwards”.
Por volta de 1900, quando Winship realizou seu estudo, o casamento de Jonathan e Sarah havia produzido: 13 presidentes de universidades, 65 professores, 100 advogados e um reitor de uma faculdade de Direito, 30 juízes, 66 médicos e um reitor de uma faculdade de Medicina, 80 encarregados de ofício público, incluindo 3 senadores dos Estados Unidos, prefeitos de 3 grandes cidades, governadores de 3 estados, um vice-presidente dos Estados Unidos e um diretor do Ministério da Fazenda dos Estados Unidos. Os membros da família escreveram 135 livros, editaram 18 jornais e periódicos, fundaram grandes ministérios e enviaram cem missionários ao exterior, além de muitos terem se tornado diretores de organizações missionárias.
Cuidando dos filhos
Além desses cargos, vários descendentes dos Edwards faziam parte da diretoria das grandes indústrias dos Estados Unidos. Sarah liderou e inspirou seus filhos a serem líderes na nação. Em casa, ela delegava e realizava os serviços domésticos numa época sem os recursos e a energia elétrica de hoje. Ela precisava manter a casa aquecida com lenha, buscar água no poço, preparar lanches, quebrar gelo, receber viajantes, tosquiar ovelhas, cultivar a terra, fabricar velas, alimentar aves domésticas, supervisionar abate de animais, tratar de enfermidades, cuidar de bebês, ensinar aos meninos o que não aprendiam na escola e observar se as meninas estavam aprendendo as tarefas do lar.
Ela possuía um jeito excelente de governar os filhos, conseguindo fazer com que eles respeitassem as suas ordens sem precisar bater neles ou gritar. Quando era necessário repreendê-los, ela o fazia sem cólera ou ira, com poucas palavras e sem barulho. Seu sistema de disciplina começava bem cedo, na mais tenra idade. “Sua norma era resistir à primeira, assim como todas as tentativas da criança de descontrole e desobediência subsequentes, considerando sabiamente que se a criança obedece aos pais, também será obediente a Deus. Os onze filhos de Sarah eram pessoas de personalidade diferente, provando que a disciplina de Sarah não deformava suas personalidades, talvez porque um aspecto importante da vida disciplinada de Sarah era orar por seus filhos de modo determinado e constante, trazendo-os diante de Deus desde antes de nascerem.
Embora o papel de Sarah na educação dos filhos tenha sido fundamental, não devemos imaginar que ela fazia tudo sozinha, sem o apoio de Jonathan. Ele tinha grande afeição por Sarah, e o casal mantinha uma vida devocional intensa. Em casa, Jonathan passava uma hora todos os dias com os filhos. Ele era um pai alegre, encorajando as crianças a conversarem e expressar seus sentimentos, com muitas risadas e brincadeiras.
Durante um período de grande pressão, com os filhos pequenos, as viagens evangelísticas de Jonathan, o fluxo constante de visitantes em sua casa, as demandas financeiras e as críticas que enfrentava na igreja, Sarah começou a se sentir irritada e às vezes descontrolada em seus impulsos. Nessa época, enquanto Jonathan estava ausente, um jovem pastor pregou na congregação e recebeu elogios da comunidade, o que gerou em Sarah um sentimento de inveja, pois o pregador não era seu esposo. Ela lutou com Deus contra esse sentimento e, após essa batalha espiritual, alcançou vitória sobre essa inveja.
Essa experiência levou Sarah a se sentir insatisfeita com sua vida espiritual, decidindo buscar a Deus de maneira mais intensa. Em suas próprias palavras, Sarah afirmou: “Me sentia incomodada e infeliz por ser tão pouco abundante na graça. Pensava o quanto necessitava da ajuda de Deus para que pudesse ter mais santidade”. Depois de lutar com Deus nesse propósito, ela alcançou uma “grande quietude de espírito” e uma “extraordinária submissão a Deus”, com a “firme vontade de esperar n’Ele, tanto no tempo quanto na maneira em que Ele me ajudaria”.
Essas experiências espirituais de Sarah foram marcantes. Ela teve visões de coisas divinas e experimentou uma alegria que preenchia sua alma. Sentia como se sua alma estivesse em outra dimensão, seu corpo tremia, e havia nela um profundo deleite de paz, sendo continuamente preenchida pelos pensamentos de Deus. As pessoas ao seu redor percebiam claramente essa transformação em sua vida.
Comunhão com Deus
Sobre seu tempo de comunhão com Deus, Sarah Edwards declarou:
“Nunca antes, por tempo tão prolongado, achei o prazer de tanta luz, descanso e doçura do céu em minha alma, sem a menor agitação do corpo. Grande parte da noite passei acordada, as vezes adormecida. Mas, toda a noite, continuei em um sentido claro e constante da doçura celestial; do seu amor extraordinário; da excelência de Cristo; de sua proximidade; e de meu amor por Ele. Minha alma permaneceu em algo parecido a um paraíso celestial… Parecia ser mais do que o meu frágil ser podia suportar; uma verdadeira plenitude de alegria, que só sentem aqueles que contemplam o rosto de Cristo”.
Sarah Edwards enfrentou muitos desafios ao lado de seu esposo. Após mais de 20 anos de serviço, de Northampton exonerou Jonathan injustamente. Permanecer em um local onde haviam sido rejeitados foi extremamente difícil, especialmente sem uma renda fixa para o sustento de uma grande família. Durante um ano, Sarah viveu nesse cenário hostil, administrando suas responsabilidades domésticas e lidando com as incertezas financeiras.
Uma nova oportunidade surgiu em 1750, e os Edwards se mudaram para Stockbridge do lado oeste de Massachussets, nos territórios britânicos. Jonathan Edwards e sua família contribuíram muito para o crescimento da cidade. Em 1758, a família começou a enfrentar uma série de tragédias. Primeiro, o genro Aaron Burr, marido de Esther, faleceu. Seis meses depois, Jonathan contraiu rubéola enquanto estava em Princeton, onde havia assumido a direção do Colégio de Nova Jérsei, e faleceu em 22 de março de 1758. No mês seguinte, em abril, sua filha Esther também morreu, deixando dois filhos pequenos. Finalmente, em 2 de outubro de 1758, aos 49 anos, Sarah Edwards faleceu devido a uma disenteria. Consciente de que a morte se aproximava, entregou-se completamente a Deus.
Não há como alcançar a verdadeira felicidade sem estar perto de Deus. Sarah Edwards nos deixou um legado de fé e perseverança, mostrando que paz e descanso são encontrados ao renunciar ao pecado e buscar a santificação. Foi nesse caminho que sua alma foi preenchida e que ela encontrou forças para vencer. Para Sarah, a felicidade e a santificação não podiam ser objetivos separados.
A recompensa da presença de Deus era infinitamente mais valiosa do que os prazeres momentâneos do mundo. Sua devoção gerou frutos visíveis em seus os seus filhos e descendentes, que se tornaram pessoas influentes e relevantes na sociedade. Mesmo após 300 anos, sua vida continua nos ensinando que podemos servir ao Senhor com convicção e excelência. Como Loide e Eunice, que foram as primeiras a ensinar Timóteo a viver uma fé não fingida e, posteriormente, o viram se tornar um jovem pastor discipulado pelo apóstolo Paulo (2Tm 1.5-7), sua devoção e fidelidade a Deus podem inspirar e levantar muitos Timóteos e Esters nos dias de hoje.
Referências:
Agreste Presbiteriano. A vida de Sarah Edwards- Fiel em meio ao mundano. Disponível em: <https://agrestepresbiteriano.com.br/a-vida-de-sarah-edwards-fiel-em-meio-ao-mundano/>. Acesso em: 27 set 2024.
Casa de Oração. Sarah Edwards- Uma mulher piedosa- legado. Disponível em: <https://clamordosadoradores.com.br/new/sarah-edwards-uma-mulher-piedosa-legado/>. Acesso em 27 set 2024.
Teologia para mulheres. Jonathan Edwards e Sarah Edwards. Disponível em: <https://teologiaparamulheres.com.br/2017/07/08/jonathan-sarah-edwards/#google_vignette>. Acesso em 27 set 2024.
Caroline Fontes (@caroline.fontes) é bacharel em Teologia e pós-graduada em Ciência da Religião. Também é formada em Pedagogia pela UERJ e possui pós-graduação em Neuropsicopedagogia pela FAMEESP. Residente no Rio de Janeiro, é casada com o Pr. Ediudson Fontes e mãe de Calebe Fontes. Atualmente, serve como diaconisa na Igreja Assembleia de Deus – Cidade Santa, além de ser idealizadora do Clube de Leitura da Mulher Cristã "Enraizadas em Cristo."
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